quarta-feira, 2 de março de 2011

Em tempo: "Governo é como feijão, só funciona na pressão!".

Antes da assembleia dos professores, marcada para hoje (02/02), o governador Wilson Martins resolveu ceder à pressão e marcou uma reunião com os representantes do Sinte para negociar um aumento retroativo ao mês de janeiro. O movimento grevista prometeu manter a mobilização até a obtenção de um documento oficial garantindo o benefício.

Genial foi a declaração da presidenta do Sinte, Odeni Silva: “Governo é como feijão: só funciona na pressão!”. Parabéns aos trabalhadores da educação do Piauí!

terça-feira, 1 de março de 2011

Educação do Piauí em Greve

Representantes do Brasil na onda de massas que criou a ponte entre “culturas em choque”, os profissionais da educação em greve no Piauí, resistem como os manifestantes do Oriente Médio e de Madison. Organizados pelo Sinte (Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública), os trabalhadores piauienses iniciaram a greve no dia 14 de fevereiro, exigindo melhores salários e condições de trabalho, e desde então vêm resistindo aos ataques do governador Wilson Martins (PSB).

Num estado que conta em sua capital, segundo estimativas do próprio secretário de educação, com aproximadamente 10% das escolas em situação de calamidade total, cabe aos profissionais da educação a responsabilidade de lutar por condições decentes para os jovens estudarem, uma vez que há escolas tomadas pelo capim, outras com tetos desabando e mais inúmeros problemas. Os valentes trabalhadores do Piauí também tomaram para si, por meio das suas próprias demandas, a reivindicação nacional pelo aumento do piso salarial dos professores, o que levou o Ministério da Educação a apressar a apresentação da nova marca de R$ 1187,97 por 40 horas semanais.

O distinto governador piauiense, todavia, afirmou que não vai adotar o piso salarial e, como de costume nos dias de hoje, disse que não negocia com grevistas. Não satisfeito, alegou que o Piauí tem um dos piores índices educacionais do país e que os professores não mereciam estar fazendo greve e prejudicando os alunos. É claro que estudar em um prédio com infiltração ou sem bebedouros não é um prejuízo para ninguém.

Demonstrando boa dose de bravura, os profissionais da educação resolveram manter a mobilização mesmo após o julgamento da greve como ilegal pelo desembargador José James do Tribunal de Justiça, que estabeleceu multa de R$ 5OOO reais diários para o Sinte.



Todo este movimento de resistência deveria servir de exemplo aos trabalhadores de outros estados e, por minha experiência pessoal, do Rio de Janeiro. Afinal, a última greve (2009) recuou frente às propostas ridículas do governo Sérgio Cabral, que tratou os profissionais da educação de forma extremamente truculenta. Pra quem não lembra, aí vai um cartão postal:



Apesar de oferecer toda a minha solidariedade à luta dos companheiros piauienses, devo fazer uma importante ressalva. No último post, afirmei que os sinais não apontavam para grandes mobilizações sociais no Brasil em 2011, uma vez que havíamos eleito um governo do PT, condenando o país a mais quatro anos de domesticação devido à participação de importantes centrais sindicais e movimentos sociais na base governista. Infelizmente, o que é uma aparente contradição ao que eu dizia, não tem um conteúdo tão contrário assim.

O caso é que o Piauí foi governado nos últimos oito anos por Wellington Dias, político do PT. Durante todo este período, o governo estadual não agiu contra o sucateamento das escolas e tampouco deu aumentos substanciais aos profissionais da educação, mantendo o plano nacional de inserir o ensino na agenda do neoliberalismo (o que é assunto pra outro tópico). Por que, então, o Sinte não fez greve antes, esperando o início tanto deste ano letivo quanto do novo mandato no governo? A resposta é simples, o Sinte é filiado à CUT (Central Única dos Trabalhadores), que faz parte da base do PT.

O importante é que, apesar do oportunismo do Sinte, devemos manter o apoio a qualquer iniciativa dos trabalhadores, pois a vitória daqueles professores é a vitória de qualquer um de nós. Por isto, espero que a Assembleia do Sinte, marcada para amanhã (02/03) mantenha os profissionais parados e mobilizados!!!

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Trabalhadores do mundo, uni-vos!!!

Os oráculos antigos tinham por hábito analisar sinais da natureza para descobrir o futuro. Este é um hábito que legaram a muitos cientistas sociais, ainda que provavelmente os antigos acertassem tão pouco quanto os “oráculos do mundo contemporâneo”. De qualquer maneira, continuamos tentando e os sinais do ano passado não apontavam para grandes horizontes no futuro próximo dos movimentos sociais no mundo.

No cenário internacional, após um ano de governo, Obama – esperança de muitos – não conseguiu fazer grande coisa e seu partido ainda sofreu uma acachapante derrota nas eleições legislativas. Isto sem contar o avanço do ultra-direitismo conservador do Tea Party, que alcançou a marca de 30% de apoio entre os estadunidenses.

No Brasil, após uma guerra eleitoral, o PT conseguiu mais um mandato. A luta contra a direita PSDBista diluiu as críticas de esquerda ao modelo PTista e condenou o Brasil a mais quatro anos de domesticação da luta popular, em decorrência da forte ligação entre o governo e grandes centrais sindicais como a CUT, pra não falar nos movimentos sociais como o MST.

Na América Latina, o ano terminou com o enfraquecimento do governo Evo Morales, que, após o gasolinazo, perdeu força entre as suas próprias bases, além dos tradicionais ataques da direita separatista boliviana.

Enfim, pelo menos no que diz respeito ao que me passa pela cabeça agora, nada no mundo apontava para um ano marcado por grandes lutas e mobilizações populares. Eis que, do rincão mais castigado desta Terra (seja por coerção ou consenso), surge uma surpresa! O mundo islâmico desperta em chamas! Tunísia, Egito, Iêmen, Bahrein, Líbia e o fogo se espalha como em um rastro de petróleo.

Mesmo com todas as dificuldades impostas pela força do consenso, a ação popular é um combustível extremamente inflamável e agora o exemplo muçulmano está servindo de inspiração para manifestantes do país que mais difamou a figura dos seguidores de Maomé na última década. A cidade de Madison está em chamas e os próprios manifestantes identificam a faísca inicial no Egito. Em resposta – e em alusão à luta internacional dos povos – os organizadores das manifestações na praça Tahrir já enviaram uma carta de apoio aos militantes do Wisconsin, que resistem à violação que o governador do Tea Party quer impor às conquistas dos trabalhadores.



No Brasil, seguindo o rumo da organização sindical de Madison, os profissionais da educação do Piauí mantêm uma greve geral há mais de 10 dias, apesar das bravatas e imbecilidades proferidas pelo governador.

Lembro de ter ouvido que em livro de comemoração aos 40 anos de 1968, Daniel Aarão Reis entrevistou uma astróloga para saber o que havia de especial naquele ano de levante mundial. A senhora respondeu que havia uma conjunção rara entre planetas que proporcionava tal fato, ocorrido em 1848 e 1968, mas que demoraria mais pelo menos um século para voltar a acontecer! Vamos esperar que a razão e a luta dos povos contra a opressão provem o contrário!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

“Expulsemos os Poderosos”: Sobre o Egito e a Ideia Universal de Liberdade

Nas últimas semanas, manifestantes egípcios tiraram o sono não só do ex-ditador Husnir Mubarak e de jornalistas da mídia internacional, mas também de opressores de todo o mundo – do Oriente Médio em particular – ao transformarem a Praça Tahrir no epicentro de um movimento organizado de autogestão popular.

A vivência em um planeta repleto de desigualdades e adormecido pela opressão da coerção e, mais importante para o argumento, do consenso fez possível ter fé na morte dos movimentos populares de caráter libertador, executados pelos mesmos batalhões de coveiros que enterraram a História. Desta maneira, no lugar de uma revolta popular, o tentou-se fazer crer numa massa de manobra guiada por radicais islâmicos que apenas intentariam destilar seu ódio contra o “ocidente”, seguindo o rumo da substituição simplista da morte da História pelo Choque de Civilizações.

Numa análise dos recentes acontecimentos publicada no site do The Gardian no dia 10 de fevereiro, Slavoj Žižek identificou as causas do movimento com o que disse se chamar, de maneira platônica, da ação misteriosa de uma ideia eterna de liberdade, justiça e dignidade. Desta maneira, o levante seria algo universal, possibilitando que várias pessoas pelo mundo se identificassem com ele, reconhecendo seus motivos sem a necessidade de grande conhecimento prévio do contexto político-social do Egito. Estou mais interessado em pensar na eternidade das ideias de liberdade, justiça e dignidade no próprio Egito.

Há um documento literário bastante conhecido pelos egiptólogos por ser, talvez, a única fonte de uma revolta popular no Egito Antigo. Chama-se Admoestações de Ipu-Ur e provavelmente data de cerca de 4100 anos atrás, num momento da história faraônica conhecido como Primeiro Período Intermediário, em virtude da existência de uma crise hegemônica da monárquica e de revoltas sociais, em muitas maneiras similares aos acontecimentos dos últimos dias. Neste período de ebulição social, um nobre chamado Ipu-Ur escreveu o texto criticando a fraqueza do faraó e o estado de “desordem” em que se encontrava o país.

A intensidade das revoltas foi tão forte e abalou de tal forma a concepção de um consenso da ideologia da monarquia divina, que certos egiptólogos acreditam que o texto não reflete a realidade, sendo apenas um exercício narrativo para demonstrar a dualidade ordem x caos, fundamental naquela visão de mundo. Este me parece um argumento característico dos já ditos coveiros da História.

O que importa é que ao ver tudo que aconteceu no Egito ultimamente não pude deixar de pensar nessa revolta de milênios atrás e na retomada do desejo de liberdade e justiça social pelo povo daquela terra. Gostaria muito de saber se eles chegaram a reivindicar este texto! Seria lindo!

Segue um trecho que deveria servir como bandeira aos manifestantes:


Em verdade o Nilo inunda (mas) ninguém lavra para si,

(pois) todos dizem: “Não sabemos o que sucederá ao país”.

Em verdade as mulheres estão estéreis, nenhuma concebe:

Khnum não molda (mortais) por causa da situação do país.

Em verdade os pobres passaram a exibir luxo,

e o que não podia ter sandálias possui riqueza.

Em verdade os criados estão vorazes

e o poderoso não mais compartilha [de alegria] com sua gente.

Em verdade [os corações] estão violentos, a calamidade varre o país,

há sangue por toda parte, não faltam mortos:

as faixas das múmias clamam para que se chegue a elas.

Em verdade muitos mortos são atirados ao rio:

a correnteza virou sepultura e o Lugar Puro virou torrente.

Em verdade os ricos deploram e os pobres exultam;

Cada cidade diz: “Expulsemos os poderosos!”.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Karate Kid ou "Como ensinar A VERDADE aos chineses"


Como boa parte das pessoas da minha idade, eu sou fã de Karate Kid. A trilogia orginal com Pat Morita e Ralph Macchio - que depois virou roteirista de HQs, carreira pra qual tem tão pouco talento quanto pra ator - foi lançada no mesmo ano em que eu nasci. Qual não foi minha supresa ao saber que seria refilmado 25 anos depois?

Obviamente hoje faz mais sentido que seja kung fu kid, devido ao sucesso de astros do cinema chinês em Holywood. Melhor ainda poder aproveitar os lindos cenários e os imensos capitais chineses. Então, façamos logo o politicamente correto, coloquemos um astro chinês e o filho de um astro negro.

Não lembro dos detalhes do primeiro filme, mas não recordo de nenhuma conotação ideológica tão explícita como a da refilmagem. O drama girava em torno de dois indivíduos deslocados que encontravam, na amizade (com aspectos paternos) e na filosofia das artes marciais, uma linha pro recomeço de suas vidas. Somava-se a isto a afirmação de um karate original contra o karate violento e sem espírito das forças armadas desalmadas dos EUA, com uma sutil crítica à Guerra do Vietnã e ao massacre japonês na Segunda Guerra. Não era isso?

E o que isso virou no Kung Fu Panda, ops, Kung Fu Kid??? Um garoto e um velho deslocado encontram, na amizade (com aspectos paternos) e na filosofia das artes marciais, uma linha pro recomeço de suas vidas. Até aí tudo igual menos o tempo verbal! Mas a diferença vai muuuito além da gramática! Vejamos:

Um menino negro muda dos EUA para Beijing porque sua mãe é uma estadunidense qualificada para trabalhar no mercado chinês em expansão, enquanto na sua terra natal a situação é de crise. Lá encontra filhos da elite chinesa, é rejeitado e espancado por um coletivo de meninos que vestem uniforme vermelho e seguem um mestre duro, indisciplinado e covarde. Recorre à superação individual com o auxílio de outro indivíduo completamente isolado, este sim, o único trabalhador do filme, vive na merda.

Pra cortar, no campeonato o menino enverga a tradicional veste e representa o verdadeiro kung fu, enquanto os outros são crianças de trajes muito parecidos corromperam o “verdadeiro” espírito individualista da arte marcial ao obedecerem ao líder despótico.

No fim, é claro, ganha o menininho dos EUA, mostrando que um individualismo à moda oriental é O caminho pra China. Não satisfeito com isto, o filme apela ainda mais! Condena a ação coletiva dos alunos chineses, que lutam por equipe. Mas estes se recuperam, quando, após a derrota, renegam seu mestre e prestam reverência ao “verdadeiro” mestre do kung fu, que, coincidentemente, veste um uniforme com as cores da bandeira estadunidense.

Assim, o gigante chinês, um dia resistente, percebe que O caminho é aquele dos EUA, abandonando a via “totalitarista” de uma ideologia ultrapassada, mas não tão antiga quanto o individualismo da natureza humana.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Direto Trabalhista e Direito de Propriedade para Direita Ruralista Brasileira

Notas sobre a entrevista da Sen. Kátia Abreu (DEM-TO) na Veja de 28 de Abril de 2010.

Não acho que ainda existam dúvidas sobre o caráter classista de direita da Veja. Criticá-la já é, para a esquerda, chutar cachorro morto, mesmo que ainda seja provavelmente a mídia escrita mais influente do país. Se fosse uma matéria eu não perderia meu tempo sequer lendo, mas quando vi a chamada para a entrevista das amarelas menos em cima do muro da história, tive que fazer o sacrifício.

Há muito já queria ler algo sobre a Sen. Kátia Abreu, líder da bancada ruralista, que conhecia de conversas sobre os ataques ao MST. Mesmo com todas essas referências sobre a revista e a entrevista, ainda me surpreendi com o destaque da primeira página: “A norma usada pelo governo para definir trabalho escravo é uma punição à existência da propriedade privada no campo”. Caramba, chegaram a este nível?!?!? Atacar o trabalho escravo é atacar a propriedade privada no campo, achei que essa carta já tinha saído das mãos da direita desde a crítica à Declaração de Independência dos EUA. Pode isso, Arnaldo?!?!

Por essas e outras, fiz questão de fazer uma leitura mais atenta da entrevista.

A entrevista orbita em torno de dois argumentos/críticas principais: 1) a forma errada de se ver a produção do campo brasileiro, que, segundo ela, não está voltada para exportação e sofre com a supervalorização da pequena propriedade familiar, prejudicando tanto o agrobusiness quanto os médios produtores; 2) há problemas sérios na legislação voltada para o campo e no seu cumprimento, que prejudicam o desenvolvimento do setor.

A primeira questão aparece menos na entrevista de três páginas, cujas perguntas direcionam-se para os assuntos mais interessantes para a revista, a manutenção da propriedade privada e a crítica ao governo Lula em época de eleição. Ainda assim, sobra espaço para a senadora acusar o IBGE de produzir um censo agrário cheio de “informações falsas, desonestas, distorcidas por razões puramente ideológicas”. Isto para fazer com que a pesquisa aponte os pequenos produtores como responsáveis pelo sustento da produção nacional e aumentar a proporção do crédito concedido a eles em relação àquele oferecido à grande empresa ou agronegócio. A solução implícita é aumentar os incentivos à grande propriedade, já que ela é, muitas vezes prejudicada, como mostrado na afirmação de que “existe propriedade pequena no Paraná que é muito mais produtiva e rica do que uma grande fazenda no Centro-Oeste". Além disso, as informações equivocadas do IBGE dão prejuízo ao setor, porque não se pode fazer planejamento estratégico de investimento em cima de previsões falsas”.

Engraçado, mas a senadora associa a propriedade privada unicamente ao agronegócio quando afirma que desmoralizar este é atentar contra aquela. Há, na verdade, uma distorção genial em sua fala, quando ela afirma que o governo atual “acredita apenas no coletivo e não admite a produção individual, privada”. Então quer dizer que a produção do agronegócio não só é privada como individual??? A utilização do vocábulo “privado(a)” é historicamente recorrente na relação de apropriação do trabalho, mas identificar o processo produtivo (e não o seu resultado) de um latifúndio com um indivíduo é demais!

Como eu disse, a propriedade privada é o assunto principal da entrevista. Somados, vocábulos como “propriedade”, “proprietário”, “privado(a)” e “privatização” aparecem, separados ou conjugados, 16 vezes nas três páginas, ganhando de longe do segundo grupo semântico, que envolve palavras como “escravo”, “escravocrata” e “escravização”, que aparecem a metade das vezes. Tudo isso pra mostrar o quanto os proprietários – e não os despossuídos – são os verdadeiros prejudicados no Brasil.

O prejuízo dos proprietários é decorrente das políticas de um governo que, para a senadora, é indiscutivelmente de esquerda. Não só de esquerda, mas “radical”, “xiita”, “fundamentalista” e “saudosista”. Tal governo mantém uma constante “insegurança jurídica” ao não agir energicamente contra as invasões no campo, que são atos “terroristas” do “crime organizado” e que devem ser combatidos com a mesma intensidade que o tráfico de entorpecentes, por exemplo.

O legalismo só pode ser ferramenta de uma classe dominante, já que ela é quem tem a hegemonia no processo de institucionalização das leis. Neste caso, não é surpresa ver a senadora reivindicando uma “segurança jurídica” contra as ocupações de terra. A história é outra, contudo, quando se trata da legislação voltada para a proteção do trabalho.

Em relação à NR-31, a norma que regula a segurança e a saúde no trabalho rural, a senadora afirma que “cumprir 252 critérios é muito difícil”. Fiz questão de conferir a norma, que, segundo a Dona Kátia Abreu, tem regras “abusivas e difíceis de serem cumpridas à risca por todos os fazendeiros”, como, por exemplo, a de número 31.18.3, que proíbe a reutilização de água usada no trato de animais para uso humano. A saída acaba sendo, portanto, descumprir algumas normas. Mas e aí, onde fica a “segurança jurídica” do trabalhador?

Os movimentos sociais investem constantemente na defesa da desobediência civil como forma legítima de pressionar pela mudança das leis. A senadora parece reconhecer isto ao afirmar que os proprietários empregadores rurais acabam descumprindo várias normas da NR-31, que deve, assim, ser modificada. Por outro lado, as ocupações para pressionar pela EXECUÇÃO da Reforma Agrária (e não modificação da legislação) são “terrorismo” a ser tratado com mão-de-ferro!

Chegamos ao trabalho escravo defendido pela senadora. Segundo a mesma, qualquer item descumprido na NR-31 pode levar à condenação por trabalho escravo. Ora, se for assim, todo o tempo há trabalho escravo urbano, pois as CIPAs (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes) constatam irregularidades nas empresas a cada hora. É claro, porém, que terei que concordar com ela que o trabalho pode ser considerado escravo se não forem respeitadas regras básicas de segurança do trabalho, que visam garantir o bem-estar mínimo das forças produtivas na reprodução do capital no campo.

A Sen. Kátia afirma que no seu ponto de vista “deveria prevalecer o bom senso”. Bom senso de quem? Obviamente o do empregador, não? Segundo ela, se as instalações forem boas o suficiente para filhos e netos dos proprietários, elas são adequadas para os funcionários. Acho que os trabalhadores da senadora não devem ter sido criados em instalações iguais à de seus filhos, porque se foram eles devem também apreciar cervejas exóticas como afirma fazer Iratã, o filho do meio e presidente da Juventude do DEM de Palmas, em seu twitter. Se tiveram a mesma educação o caso é pior, porque o filho mais velho, Irajá, foi preso no ano passado por desacato à autoridade ao se recusar a retirar seu automóvel do ponto de táxi onde tinha estacionado em Palmas. Este casou no último ano e o evento contou com a participação do Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Gilberto Kassab (DEM-SP), mas não li sobre algum peão da fazenda se fartando na festa.

Minha última impressão linguística retirada da entrevista foi a oposição entre “ideologia” e “ideais”. O termo “ideologia” já vem sendo demonizado pela direita há bastante tempo. Não é de hoje que se escutam pedidos pela não ideologização dos discursos políticos, como se houvesse um pragmatismo possível. Ainda assim, nunca tinha reparado que o termo “ideais” não carrega essa negatividade. Nota mental: ideal é bonito, ideologia é feio!!!

Pra fechar a entrevista – esse texto – resta um trecho de total ignorância histórica da senadora: “... fico orgulhosa quando meu nome é citado [como possível vice de Serra] por eu ser de um estado novo, o Tocantins, por ser mulher e por representar o setor agropecuário, que nunca teve muito espaço nas chapas majoritárias da política nacional”. Como se não bastassem anos de política do café-com-leite, depois mandatos de estanciários gaúchos como Getúlio e Jango, não acho que o Sarney tenha poucas terras no Maranhão. Mesmo o Fernando Henrique não teve uma fazenda ocupada?

sábado, 12 de dezembro de 2009

O Futebol de Ponta-Cabeça

Talvez o fato de conscientemente valorizar o racionalismo e racionalização façam com que eu acabe muito suscetível às grandes manifestações emocionais coletivas. Foi assim na última semana, com a vitória do Flamengo no Brasileirão. Já tentei racionalizar o sentimento diversas vezes para passá-lo para o papel, mas só consigo sentir. Cheguei à conclusão que a tentativa de racionalização dos meus sentimentos tem me levado cada vez mais a concluir o inevitável: algumas coisas não têm explicação racional ou não deveriam ser explicadas apenas desta maneira para não serem diminuídas.


O título do Flamengo é uma vitória da emoção sobre a razão, como era de se esperar do time da “raça, amor e paixão” – lema que melhor define o clube. Numa época em que a profissionalização e a mercantilização do futebol corroem seus laços passionais, a conquista do Flamengo é uma resistência, mesmo que mínima.


A transformação do Campeonato Brasileiro em uma competição de pontos corridos alijou os clubes cariocas de entrar de verdade nas disputas pelo título. Isto porque se racionalizou o futebol em cima do argumento de que o time com melhor planejamento, melhor elenco, melhor campanha e maior regularidade deveria ser o campeão. Apesar de terem o templo do futebol nacional, os times cariocas trabalham com planejamentos precários de diretorias problemáticas em diversos aspectos. Ainda assim, conseguimos – com apenas dois ou, no máximo, três estádios – médias de público que rivalizam com outros estados que possuem quatro e até cinco arenas.


Os últimos três títulos do São Paulo no campeonato são a prova de que a racionalidade atenta contra a emoção e que a mercantililização avança no futebol. Um clube bem gerenciado, parcerias diversas, estádio de tipo europeu (com bares, lojas...) somaram-se a um time planejado, que não jogava bonito ou com raça, que não tinha grandes craques, mas que era eficiente na regularidade. A associação com o Jason é até boa, mas acho que seria melhor identificar o São Paulo com um robô.


No fim, para mediar a alteridade entre os dois últimos campeões, ainda dá pra apelar para os grandes estereótipos. São Paulo é o time da cidade de São Paulo, fria, produtivista, feia e cinza. O Flamengo é o time do Rio, da malandragem, das cores quentes e da beleza carioca.


Assim, o Flamengo é o antípoda do São Paulo. O campeão só conseguiu estabilizar seu time a partir da 22ª rodada. E ganhou sendo representado por vários nomes que jogaram contra a racionalidade.


O artilheiro Adriano, havia abandonado o futebol, foi condenado por gostar de andar na favela, por faltar o treino e até por queimar o pé. O atacante malandro e festeiro mais uma vez superou a lógica dos jogadores trabalhadores que treinam, treinam e treinam para no fim não fazer nenhum gol.


O maestro Pet chegou desacreditado por todos. Jogador que parecia relutar em encerrar sua carreira, deveria fazer par com o Rubinho na F1 deste ano, mas sem o vice. O sérvio não acreditou na racionalidade e jogou empurrado pela paixão dos milhares que gritavam seu nome.


O comandande Andrade é um antípoda em vários aspectos e um representante da emoção em muitos outros. Primeiro técnico negro a ganhar um título em um país majoritariamente mestiço e que tem como negros como grandes estrelas do futebol. Ele agüentou anos como funcionário do clube, sendo aproveitado em emergências e suportando descartes por outros muito menos próximos do Flamengo. O jeito calmo de quem já teve que esperar muito e as lágrimas em sua estréia contra o Santos no primeiro turno vão contra qualquer esteriótipo de técnico brasileiro, como o Papai Joel, o Renight Gaúcho, o teórico Luxemburgo e os mais ou menos grossos como Murici e Felipão.


Poderia dar vários outros exemplos, como o flamenguista Léo Moura, que explodiu em xingamentos à torcida; o incansável Torozinho; ou o recuperado Zé Roberto. Mas pra mim quem melhor representa este título não é nenhum deles.


O antípoda perfeito é o dono do gol do título. O único Ronaldo que existe pro Flamengo e o único de que a nação rubro-negra precisa: Angelim. Dentro de um futebol que transpira dinheiro por todos os poros, Angelim é um simples operário. Lutador emocionado, que nunca expressou a vontade de ir para a Europa, assinar contratos milionários ou mesmo de ser titular. Sempre foi o primeiro a assumir culpas – mesmo que nem sempre suas – e se colocar publicamente à disposição do clube. O gol do título foi aquele, sofrido, da emoção do Angelim calado, que só sonhou em jogar o futebol apaixonado que tem o Flamengo como ícone.


Por fim, o título é de uma nação por quem se demonstra muito mais paixão do que pelo Brasil. Milhões de pessoas que se sacrificaram para acompanhar o Flamengo e gritar que a festa começou no Maraca!