sábado, 26 de fevereiro de 2011

Trabalhadores do mundo, uni-vos!!!

Os oráculos antigos tinham por hábito analisar sinais da natureza para descobrir o futuro. Este é um hábito que legaram a muitos cientistas sociais, ainda que provavelmente os antigos acertassem tão pouco quanto os “oráculos do mundo contemporâneo”. De qualquer maneira, continuamos tentando e os sinais do ano passado não apontavam para grandes horizontes no futuro próximo dos movimentos sociais no mundo.

No cenário internacional, após um ano de governo, Obama – esperança de muitos – não conseguiu fazer grande coisa e seu partido ainda sofreu uma acachapante derrota nas eleições legislativas. Isto sem contar o avanço do ultra-direitismo conservador do Tea Party, que alcançou a marca de 30% de apoio entre os estadunidenses.

No Brasil, após uma guerra eleitoral, o PT conseguiu mais um mandato. A luta contra a direita PSDBista diluiu as críticas de esquerda ao modelo PTista e condenou o Brasil a mais quatro anos de domesticação da luta popular, em decorrência da forte ligação entre o governo e grandes centrais sindicais como a CUT, pra não falar nos movimentos sociais como o MST.

Na América Latina, o ano terminou com o enfraquecimento do governo Evo Morales, que, após o gasolinazo, perdeu força entre as suas próprias bases, além dos tradicionais ataques da direita separatista boliviana.

Enfim, pelo menos no que diz respeito ao que me passa pela cabeça agora, nada no mundo apontava para um ano marcado por grandes lutas e mobilizações populares. Eis que, do rincão mais castigado desta Terra (seja por coerção ou consenso), surge uma surpresa! O mundo islâmico desperta em chamas! Tunísia, Egito, Iêmen, Bahrein, Líbia e o fogo se espalha como em um rastro de petróleo.

Mesmo com todas as dificuldades impostas pela força do consenso, a ação popular é um combustível extremamente inflamável e agora o exemplo muçulmano está servindo de inspiração para manifestantes do país que mais difamou a figura dos seguidores de Maomé na última década. A cidade de Madison está em chamas e os próprios manifestantes identificam a faísca inicial no Egito. Em resposta – e em alusão à luta internacional dos povos – os organizadores das manifestações na praça Tahrir já enviaram uma carta de apoio aos militantes do Wisconsin, que resistem à violação que o governador do Tea Party quer impor às conquistas dos trabalhadores.



No Brasil, seguindo o rumo da organização sindical de Madison, os profissionais da educação do Piauí mantêm uma greve geral há mais de 10 dias, apesar das bravatas e imbecilidades proferidas pelo governador.

Lembro de ter ouvido que em livro de comemoração aos 40 anos de 1968, Daniel Aarão Reis entrevistou uma astróloga para saber o que havia de especial naquele ano de levante mundial. A senhora respondeu que havia uma conjunção rara entre planetas que proporcionava tal fato, ocorrido em 1848 e 1968, mas que demoraria mais pelo menos um século para voltar a acontecer! Vamos esperar que a razão e a luta dos povos contra a opressão provem o contrário!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

“Expulsemos os Poderosos”: Sobre o Egito e a Ideia Universal de Liberdade

Nas últimas semanas, manifestantes egípcios tiraram o sono não só do ex-ditador Husnir Mubarak e de jornalistas da mídia internacional, mas também de opressores de todo o mundo – do Oriente Médio em particular – ao transformarem a Praça Tahrir no epicentro de um movimento organizado de autogestão popular.

A vivência em um planeta repleto de desigualdades e adormecido pela opressão da coerção e, mais importante para o argumento, do consenso fez possível ter fé na morte dos movimentos populares de caráter libertador, executados pelos mesmos batalhões de coveiros que enterraram a História. Desta maneira, no lugar de uma revolta popular, o tentou-se fazer crer numa massa de manobra guiada por radicais islâmicos que apenas intentariam destilar seu ódio contra o “ocidente”, seguindo o rumo da substituição simplista da morte da História pelo Choque de Civilizações.

Numa análise dos recentes acontecimentos publicada no site do The Gardian no dia 10 de fevereiro, Slavoj Žižek identificou as causas do movimento com o que disse se chamar, de maneira platônica, da ação misteriosa de uma ideia eterna de liberdade, justiça e dignidade. Desta maneira, o levante seria algo universal, possibilitando que várias pessoas pelo mundo se identificassem com ele, reconhecendo seus motivos sem a necessidade de grande conhecimento prévio do contexto político-social do Egito. Estou mais interessado em pensar na eternidade das ideias de liberdade, justiça e dignidade no próprio Egito.

Há um documento literário bastante conhecido pelos egiptólogos por ser, talvez, a única fonte de uma revolta popular no Egito Antigo. Chama-se Admoestações de Ipu-Ur e provavelmente data de cerca de 4100 anos atrás, num momento da história faraônica conhecido como Primeiro Período Intermediário, em virtude da existência de uma crise hegemônica da monárquica e de revoltas sociais, em muitas maneiras similares aos acontecimentos dos últimos dias. Neste período de ebulição social, um nobre chamado Ipu-Ur escreveu o texto criticando a fraqueza do faraó e o estado de “desordem” em que se encontrava o país.

A intensidade das revoltas foi tão forte e abalou de tal forma a concepção de um consenso da ideologia da monarquia divina, que certos egiptólogos acreditam que o texto não reflete a realidade, sendo apenas um exercício narrativo para demonstrar a dualidade ordem x caos, fundamental naquela visão de mundo. Este me parece um argumento característico dos já ditos coveiros da História.

O que importa é que ao ver tudo que aconteceu no Egito ultimamente não pude deixar de pensar nessa revolta de milênios atrás e na retomada do desejo de liberdade e justiça social pelo povo daquela terra. Gostaria muito de saber se eles chegaram a reivindicar este texto! Seria lindo!

Segue um trecho que deveria servir como bandeira aos manifestantes:


Em verdade o Nilo inunda (mas) ninguém lavra para si,

(pois) todos dizem: “Não sabemos o que sucederá ao país”.

Em verdade as mulheres estão estéreis, nenhuma concebe:

Khnum não molda (mortais) por causa da situação do país.

Em verdade os pobres passaram a exibir luxo,

e o que não podia ter sandálias possui riqueza.

Em verdade os criados estão vorazes

e o poderoso não mais compartilha [de alegria] com sua gente.

Em verdade [os corações] estão violentos, a calamidade varre o país,

há sangue por toda parte, não faltam mortos:

as faixas das múmias clamam para que se chegue a elas.

Em verdade muitos mortos são atirados ao rio:

a correnteza virou sepultura e o Lugar Puro virou torrente.

Em verdade os ricos deploram e os pobres exultam;

Cada cidade diz: “Expulsemos os poderosos!”.