domingo, 5 de junho de 2011

NENHUM PASSO DAREMOS ATRÁS!!!

Nos últimos dias vi algumas montagens, feitas pelo movimento dos bombeiros, do Hitler com o rosto do Sérgio Cabral, mas eu – talvez sendo controverso – acho uma ofensa àquele que talvez tenha sido o maior líder do fascismo mundial. Vou deixar claro desde já que não tenho nada contra denegrir a memória de um dos maiores assassinos da história, mas dentre as várias diferenças entre ele e o Cabral, eu gostaria de ressaltar uma.

Hitler de fato acreditava em uma ideologia política. Isto não é uma defesa do seu pensamento. Acreditar em uma ideologia não é justificativa para um genocídio, mas me impressiona a maneira como a política de hoje foi tomada por um cinismo só comparável ao seu pragmatismo atual.

Vivemos em uma época de despolitização da política, movimento que só pode vir acompanhado de toneladas de cinismo. Após ordenar a repressão violenta dos manifestantes que ocupavam o quartel general dos bombeiros, o senhor Cabral deu uma coletiva de imprensa em que mentiu descaradamente sem a menor mudança em sua expressão facial endurecida.

A primeira questão, todavia, a ser abordada em relação à despolitização da política no discurso do Cabral é sua acusação de que a manifestação teria motivação política. Este absurdo não deve ser novidade pra nenhuma das pessoas que provavelmente leem este blog, mas vamos às explicações básicas. Obviamente, qualquer manifestação tem uma motivação política. Apesar do movimento sindical também ter avançado no pragmatismo, no que se chama de “sindicalismo de resultado”, é claro que qualquer manifestação é um ato contra a política do governo.

Eu sinceramente não creio que o senhor Sérgio Cabral defenda com unhas e dentes a ideologia neoliberal. Acho que ele é só um oportunista que quer valorizar seu capital político. Mesmo assim é um verdadeiro cão de guarda do projeto político neoliberal, seguindo a risca sua cartilha e se deliciando com os ataques truculentos aos direitos dos trabalhadores e aos movimentos sociais em geral. O Estado é mínimo, mas é aquele baixinho magrelo que tem dinheiro pra pagar alguém pra bater nos outros!

As manifestações são, portanto, políticas sim! Como todas elas! O senhor Sérgio Cabral finge não entender que política não é só oportunismo, que existe tanto na direita quanto na esquerda. O movimento de ocupação do quartel general foi sim uma manifestação política, mas não apenas contra a figura do governador, foi um ato de resistência a todo o plano político internacional governado por meia dúzia de instituições financeiras.

A política a que se refere o governador é a mesma contra a qual têm se revoltado os jovens espanhóis nas praças. Esta falsa democracia que não representa mais do que meia dúzia de empresários e investidores. Um governo que executa uma política de terrorismo contra o povo, que chama os que resistem de “delinquentes políticos” e “irresponsáveis”, proclamando aos quatro ventos que “não há negociação com vândalos”!

Após a invasão violenta do quartel general, usando, inclusive, o Batalhão de Operações Especiais, o senhor Sérgio Cabral foi para televisão afirmar que o salário do maior e mais ativo corpo de bombeiros do Brasil não é o menor do país. Uma MENTIRA deslavada, desmascarada pela própria mídia burguesa! Os bombeiros do Rio têm um salário base ridículo que era complementado por uma gratificação (bolsa formação) paga até o final do ano passado pelo governo federal. No início do ano, com a política de corte de custos, esta gratificação deixou existir e o salário base passou a cerca de 950 reais líquidos!

O quadro destes profissionais piora se considerarmos que eles tampouco têm direito a vale transporte e que os outros militares do estado foram recompensados com gratificações enquanto eles foram abandonados.

O senhor governador parece usar a mesma política de aparências com o corpo de bombeiros que usa em seu projeto de educação. Afirmou, em sua coletiva, que comprou aeronaves, embarcações, equipamentos, rede de internet e mais um monte de coisas. Da mesma maneira como enfeitou as salas de aula com aparelhos de ar condicionado, computadores e blá blá blá, mas nada de mover uma palha para aumentar o salário ridículo dos professores. Muito pelo contrário, continua sobrecarregando os profissionais com novas atribuições e sem nenhuma resposta financeira diferente do arrocho salarial.

Vale lembrar que, como militares, os bombeiros não têm direito à greve e o senhor Sérgio Cabral não deixou de ressaltar isso, lembrando da quebra da hierarquia “tão valorizada” nas forças militares do RJ. Para ele, os 2000 manifestantes não representam a categoria de cerca de 17 mil membros, mas são um “lumpesinato dentro da corporação que sempre prezou pela hierarquia”, uma massa de manobra conquistada por “discursos messiânicos absolutamente incompreensíveis” usados por “delinquentes políticos”.

Por fim, nada melhor para um mentiroso do que se cercar de capachos mentirosos. Quando perguntado sobre o uso de violência na invasão do BOPE, o governador passou a resposta pro Coronel Mário Sérgio, comandante da PM. Este afirmou que, apesar da irresponsabilidade dos manifestantes, “não houve nenhuma vítima falta e nenhuma criança sofreu ferimentos”. MENTIRA! Uma mulher grávida perdeu seu filho após o uso de gás lacrimogêneo e há relatos de negligência no socorro por parte do médico de plantão no quartel general, que era contrário à manifestação. Como se não bastasse, o Coronel Mário Sérgio ainda teve a cara de pau de dizer que não houve disparos de fuzil durante o conflito, mas apenas de pistolas que estavam sendo portadas por alguns manifestantes. Qualquer morador do Rio de Janeiro que já tenha presenciado ou ouvido um tiroteio (e não são poucos) podem perceber claramente esta MENTIRA ao ouvir o áudio dos vídeos feitos durante a invasão. Os disparos são seqüenciais e de grosso calibre!

A todo este cinismo e truculência só pode haver uma resposta:

NEM UM PASSO DAREMOS ATRÁS!!!

sábado, 19 de março de 2011

Bangu ou Guantanamo?


No final da tarde de sexta-feira (18/03/2011), 13 manifestantes foram presos pela polícia carioca em um ato na frente do consulado dos EUA, no centro da cidade, acusados de ataque e tentativa de incêndio ao prédio estadunidente. O ato pacífico foi construído por diversas organizações políticas e se concentrou na Cinelândia, palco de lutas históricas do povo

Após negociar com a polícia que cercava a concentração do ato na Cinelândia e receber permissão para seguir pela rua, o ato se dirigiu até a praça em frente ao consulado dos EUA. Lá os manifestantes do PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) se reuniram pacificamente para protestar com suas vozes contra a vinda do presidente Obama ao Brasil, já que a polícia não permitiu a presença de carros de som no ato. Repentinamente, foram surpreendidos pela ação repressiva violenta e covarde dos policiais, que atacaram a reunião com bombas de gás e balas de borracha, perseguindo e prendendo os militantes pelas ruas do centro da cidade.

Dez homens e três mulheres foram presos, incluindo professores, estudantes, funcionários públicos e liberais, um advogado e uma doméstica de 69 anos. Dentre estes, dez pessoas eram membros do PSTU. Após passarem a noite prestando depoimentos na delegacia, os militantes foram mantidos presos sem provas e enviados aos presídios de Água Santa e Bangu, enquanto um menor de idade foi para o Instituto Padre Severino de correção de menores infratores. Acusados por “atirarem um artefato incendiário” no prédio e por “lesão corporal” infringida a um vigilante do mesmo, não foi cedida a possibilidade de fiança e, até o momento, todos os habeas corpus foram negados. O fato se torna ainda mais absurdo após as informações de que os homens tiveram suas cabeças raspadas no presídio.

O juiz que negou o pedido de libertação dos manifestantes afirmou que eles são um perigo para a “ordem pública”, sendo uma ameaça ao presidente estadunidense e possíveis “maculadores” da imagem do Brasil no mundo. Certamente indivíduos que não estão de acordo com a moral do cidadão nacional por não terem assistido as aulas de moral e cívica impostas no período da ditadura militar!

Nenhum dos vídeos do evento mostra o ataque com coquetel molotov que foi anunciado pelos maiores veículos da mídia. Há apenas retratos de possíveis bombas, mas nenhum deles prova qualquer ação violenta dos manifestantes. Sendo bastante possível a utilização deste argumento para uma repressão violenta, como tem sido costume na relação entre movimentos sociais e o governo do Rio do Janeiro. É só lembrar as agressões e prisões registradas na expulsão da ocupação de um prédio público na Lapa, relativamente próximo ao consulado dos EUA.

A mesma mídia burguesa, que festeja a vinda de Barack Obama e os acordos comerciais que ajudam a entregar o pré-sal a empresas americanas, alega que a manifestação não tinha sido aprovada pela prefeitura, sendo, portanto, ilegal e corretamente reprimida pela polícia. Pergunto-me se os manifestantes da Praça Tahrir, no Egito, tinham a permissão do ex-ditador Mubarak para fazerem a revolução popular que o expulsou do governo e do país.

Mesmo que a história, veiculada pela mídia, de que houve um ataque com “artefatos incendiários” que feriram um vigia seja verdade, isto não justifica a investida visivelmente covarde contra os manifestantes. A polícia deveria ter reagido e prendido os indivíduos responsáveis no momento da ação, mas – outra vez, se é verdade o ataque – preferiu agir reprimindo e encarcerando pessoas inocentes.

Adianto que tampouco sou contrário a ações violentas por parte dos movimentos sociais. Não tenho nada contra atirar artefatos incendiários em símbolos do imperialismo mundial. O que não pode acontecer – se é que aconteceu – é que um pequeno grupo faça isso contrariando uma manifestação planejada para ser pacífica, colocando em risco companheiros de luta e ocasionando suas prisões. Isto é uma covardia comparável aquela dos policiais.

Entre os manifestantes presos está um amigo meu e sua esposa, dois militantes do PSTU, que sempre agiram politicamente de forma pacífica e agora estão encarcerados em presídios separados, acusados sem provas de serem “ameaças à ordem pública e à imagem do Brasil”. Voltamos ao período da ditadura militar??? Os EUA agora podem não apenas interferir drasticamente na organização cotidiana de uma cidade, como também coagir os governantes brasileiros a infringir as leis do seu próprio país???

quarta-feira, 2 de março de 2011

Em tempo: "Governo é como feijão, só funciona na pressão!".

Antes da assembleia dos professores, marcada para hoje (02/02), o governador Wilson Martins resolveu ceder à pressão e marcou uma reunião com os representantes do Sinte para negociar um aumento retroativo ao mês de janeiro. O movimento grevista prometeu manter a mobilização até a obtenção de um documento oficial garantindo o benefício.

Genial foi a declaração da presidenta do Sinte, Odeni Silva: “Governo é como feijão: só funciona na pressão!”. Parabéns aos trabalhadores da educação do Piauí!

terça-feira, 1 de março de 2011

Educação do Piauí em Greve

Representantes do Brasil na onda de massas que criou a ponte entre “culturas em choque”, os profissionais da educação em greve no Piauí, resistem como os manifestantes do Oriente Médio e de Madison. Organizados pelo Sinte (Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública), os trabalhadores piauienses iniciaram a greve no dia 14 de fevereiro, exigindo melhores salários e condições de trabalho, e desde então vêm resistindo aos ataques do governador Wilson Martins (PSB).

Num estado que conta em sua capital, segundo estimativas do próprio secretário de educação, com aproximadamente 10% das escolas em situação de calamidade total, cabe aos profissionais da educação a responsabilidade de lutar por condições decentes para os jovens estudarem, uma vez que há escolas tomadas pelo capim, outras com tetos desabando e mais inúmeros problemas. Os valentes trabalhadores do Piauí também tomaram para si, por meio das suas próprias demandas, a reivindicação nacional pelo aumento do piso salarial dos professores, o que levou o Ministério da Educação a apressar a apresentação da nova marca de R$ 1187,97 por 40 horas semanais.

O distinto governador piauiense, todavia, afirmou que não vai adotar o piso salarial e, como de costume nos dias de hoje, disse que não negocia com grevistas. Não satisfeito, alegou que o Piauí tem um dos piores índices educacionais do país e que os professores não mereciam estar fazendo greve e prejudicando os alunos. É claro que estudar em um prédio com infiltração ou sem bebedouros não é um prejuízo para ninguém.

Demonstrando boa dose de bravura, os profissionais da educação resolveram manter a mobilização mesmo após o julgamento da greve como ilegal pelo desembargador José James do Tribunal de Justiça, que estabeleceu multa de R$ 5OOO reais diários para o Sinte.



Todo este movimento de resistência deveria servir de exemplo aos trabalhadores de outros estados e, por minha experiência pessoal, do Rio de Janeiro. Afinal, a última greve (2009) recuou frente às propostas ridículas do governo Sérgio Cabral, que tratou os profissionais da educação de forma extremamente truculenta. Pra quem não lembra, aí vai um cartão postal:



Apesar de oferecer toda a minha solidariedade à luta dos companheiros piauienses, devo fazer uma importante ressalva. No último post, afirmei que os sinais não apontavam para grandes mobilizações sociais no Brasil em 2011, uma vez que havíamos eleito um governo do PT, condenando o país a mais quatro anos de domesticação devido à participação de importantes centrais sindicais e movimentos sociais na base governista. Infelizmente, o que é uma aparente contradição ao que eu dizia, não tem um conteúdo tão contrário assim.

O caso é que o Piauí foi governado nos últimos oito anos por Wellington Dias, político do PT. Durante todo este período, o governo estadual não agiu contra o sucateamento das escolas e tampouco deu aumentos substanciais aos profissionais da educação, mantendo o plano nacional de inserir o ensino na agenda do neoliberalismo (o que é assunto pra outro tópico). Por que, então, o Sinte não fez greve antes, esperando o início tanto deste ano letivo quanto do novo mandato no governo? A resposta é simples, o Sinte é filiado à CUT (Central Única dos Trabalhadores), que faz parte da base do PT.

O importante é que, apesar do oportunismo do Sinte, devemos manter o apoio a qualquer iniciativa dos trabalhadores, pois a vitória daqueles professores é a vitória de qualquer um de nós. Por isto, espero que a Assembleia do Sinte, marcada para amanhã (02/03) mantenha os profissionais parados e mobilizados!!!

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Trabalhadores do mundo, uni-vos!!!

Os oráculos antigos tinham por hábito analisar sinais da natureza para descobrir o futuro. Este é um hábito que legaram a muitos cientistas sociais, ainda que provavelmente os antigos acertassem tão pouco quanto os “oráculos do mundo contemporâneo”. De qualquer maneira, continuamos tentando e os sinais do ano passado não apontavam para grandes horizontes no futuro próximo dos movimentos sociais no mundo.

No cenário internacional, após um ano de governo, Obama – esperança de muitos – não conseguiu fazer grande coisa e seu partido ainda sofreu uma acachapante derrota nas eleições legislativas. Isto sem contar o avanço do ultra-direitismo conservador do Tea Party, que alcançou a marca de 30% de apoio entre os estadunidenses.

No Brasil, após uma guerra eleitoral, o PT conseguiu mais um mandato. A luta contra a direita PSDBista diluiu as críticas de esquerda ao modelo PTista e condenou o Brasil a mais quatro anos de domesticação da luta popular, em decorrência da forte ligação entre o governo e grandes centrais sindicais como a CUT, pra não falar nos movimentos sociais como o MST.

Na América Latina, o ano terminou com o enfraquecimento do governo Evo Morales, que, após o gasolinazo, perdeu força entre as suas próprias bases, além dos tradicionais ataques da direita separatista boliviana.

Enfim, pelo menos no que diz respeito ao que me passa pela cabeça agora, nada no mundo apontava para um ano marcado por grandes lutas e mobilizações populares. Eis que, do rincão mais castigado desta Terra (seja por coerção ou consenso), surge uma surpresa! O mundo islâmico desperta em chamas! Tunísia, Egito, Iêmen, Bahrein, Líbia e o fogo se espalha como em um rastro de petróleo.

Mesmo com todas as dificuldades impostas pela força do consenso, a ação popular é um combustível extremamente inflamável e agora o exemplo muçulmano está servindo de inspiração para manifestantes do país que mais difamou a figura dos seguidores de Maomé na última década. A cidade de Madison está em chamas e os próprios manifestantes identificam a faísca inicial no Egito. Em resposta – e em alusão à luta internacional dos povos – os organizadores das manifestações na praça Tahrir já enviaram uma carta de apoio aos militantes do Wisconsin, que resistem à violação que o governador do Tea Party quer impor às conquistas dos trabalhadores.



No Brasil, seguindo o rumo da organização sindical de Madison, os profissionais da educação do Piauí mantêm uma greve geral há mais de 10 dias, apesar das bravatas e imbecilidades proferidas pelo governador.

Lembro de ter ouvido que em livro de comemoração aos 40 anos de 1968, Daniel Aarão Reis entrevistou uma astróloga para saber o que havia de especial naquele ano de levante mundial. A senhora respondeu que havia uma conjunção rara entre planetas que proporcionava tal fato, ocorrido em 1848 e 1968, mas que demoraria mais pelo menos um século para voltar a acontecer! Vamos esperar que a razão e a luta dos povos contra a opressão provem o contrário!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

“Expulsemos os Poderosos”: Sobre o Egito e a Ideia Universal de Liberdade

Nas últimas semanas, manifestantes egípcios tiraram o sono não só do ex-ditador Husnir Mubarak e de jornalistas da mídia internacional, mas também de opressores de todo o mundo – do Oriente Médio em particular – ao transformarem a Praça Tahrir no epicentro de um movimento organizado de autogestão popular.

A vivência em um planeta repleto de desigualdades e adormecido pela opressão da coerção e, mais importante para o argumento, do consenso fez possível ter fé na morte dos movimentos populares de caráter libertador, executados pelos mesmos batalhões de coveiros que enterraram a História. Desta maneira, no lugar de uma revolta popular, o tentou-se fazer crer numa massa de manobra guiada por radicais islâmicos que apenas intentariam destilar seu ódio contra o “ocidente”, seguindo o rumo da substituição simplista da morte da História pelo Choque de Civilizações.

Numa análise dos recentes acontecimentos publicada no site do The Gardian no dia 10 de fevereiro, Slavoj Žižek identificou as causas do movimento com o que disse se chamar, de maneira platônica, da ação misteriosa de uma ideia eterna de liberdade, justiça e dignidade. Desta maneira, o levante seria algo universal, possibilitando que várias pessoas pelo mundo se identificassem com ele, reconhecendo seus motivos sem a necessidade de grande conhecimento prévio do contexto político-social do Egito. Estou mais interessado em pensar na eternidade das ideias de liberdade, justiça e dignidade no próprio Egito.

Há um documento literário bastante conhecido pelos egiptólogos por ser, talvez, a única fonte de uma revolta popular no Egito Antigo. Chama-se Admoestações de Ipu-Ur e provavelmente data de cerca de 4100 anos atrás, num momento da história faraônica conhecido como Primeiro Período Intermediário, em virtude da existência de uma crise hegemônica da monárquica e de revoltas sociais, em muitas maneiras similares aos acontecimentos dos últimos dias. Neste período de ebulição social, um nobre chamado Ipu-Ur escreveu o texto criticando a fraqueza do faraó e o estado de “desordem” em que se encontrava o país.

A intensidade das revoltas foi tão forte e abalou de tal forma a concepção de um consenso da ideologia da monarquia divina, que certos egiptólogos acreditam que o texto não reflete a realidade, sendo apenas um exercício narrativo para demonstrar a dualidade ordem x caos, fundamental naquela visão de mundo. Este me parece um argumento característico dos já ditos coveiros da História.

O que importa é que ao ver tudo que aconteceu no Egito ultimamente não pude deixar de pensar nessa revolta de milênios atrás e na retomada do desejo de liberdade e justiça social pelo povo daquela terra. Gostaria muito de saber se eles chegaram a reivindicar este texto! Seria lindo!

Segue um trecho que deveria servir como bandeira aos manifestantes:


Em verdade o Nilo inunda (mas) ninguém lavra para si,

(pois) todos dizem: “Não sabemos o que sucederá ao país”.

Em verdade as mulheres estão estéreis, nenhuma concebe:

Khnum não molda (mortais) por causa da situação do país.

Em verdade os pobres passaram a exibir luxo,

e o que não podia ter sandálias possui riqueza.

Em verdade os criados estão vorazes

e o poderoso não mais compartilha [de alegria] com sua gente.

Em verdade [os corações] estão violentos, a calamidade varre o país,

há sangue por toda parte, não faltam mortos:

as faixas das múmias clamam para que se chegue a elas.

Em verdade muitos mortos são atirados ao rio:

a correnteza virou sepultura e o Lugar Puro virou torrente.

Em verdade os ricos deploram e os pobres exultam;

Cada cidade diz: “Expulsemos os poderosos!”.