sábado, 12 de dezembro de 2009

O Futebol de Ponta-Cabeça

Talvez o fato de conscientemente valorizar o racionalismo e racionalização façam com que eu acabe muito suscetível às grandes manifestações emocionais coletivas. Foi assim na última semana, com a vitória do Flamengo no Brasileirão. Já tentei racionalizar o sentimento diversas vezes para passá-lo para o papel, mas só consigo sentir. Cheguei à conclusão que a tentativa de racionalização dos meus sentimentos tem me levado cada vez mais a concluir o inevitável: algumas coisas não têm explicação racional ou não deveriam ser explicadas apenas desta maneira para não serem diminuídas.


O título do Flamengo é uma vitória da emoção sobre a razão, como era de se esperar do time da “raça, amor e paixão” – lema que melhor define o clube. Numa época em que a profissionalização e a mercantilização do futebol corroem seus laços passionais, a conquista do Flamengo é uma resistência, mesmo que mínima.


A transformação do Campeonato Brasileiro em uma competição de pontos corridos alijou os clubes cariocas de entrar de verdade nas disputas pelo título. Isto porque se racionalizou o futebol em cima do argumento de que o time com melhor planejamento, melhor elenco, melhor campanha e maior regularidade deveria ser o campeão. Apesar de terem o templo do futebol nacional, os times cariocas trabalham com planejamentos precários de diretorias problemáticas em diversos aspectos. Ainda assim, conseguimos – com apenas dois ou, no máximo, três estádios – médias de público que rivalizam com outros estados que possuem quatro e até cinco arenas.


Os últimos três títulos do São Paulo no campeonato são a prova de que a racionalidade atenta contra a emoção e que a mercantililização avança no futebol. Um clube bem gerenciado, parcerias diversas, estádio de tipo europeu (com bares, lojas...) somaram-se a um time planejado, que não jogava bonito ou com raça, que não tinha grandes craques, mas que era eficiente na regularidade. A associação com o Jason é até boa, mas acho que seria melhor identificar o São Paulo com um robô.


No fim, para mediar a alteridade entre os dois últimos campeões, ainda dá pra apelar para os grandes estereótipos. São Paulo é o time da cidade de São Paulo, fria, produtivista, feia e cinza. O Flamengo é o time do Rio, da malandragem, das cores quentes e da beleza carioca.


Assim, o Flamengo é o antípoda do São Paulo. O campeão só conseguiu estabilizar seu time a partir da 22ª rodada. E ganhou sendo representado por vários nomes que jogaram contra a racionalidade.


O artilheiro Adriano, havia abandonado o futebol, foi condenado por gostar de andar na favela, por faltar o treino e até por queimar o pé. O atacante malandro e festeiro mais uma vez superou a lógica dos jogadores trabalhadores que treinam, treinam e treinam para no fim não fazer nenhum gol.


O maestro Pet chegou desacreditado por todos. Jogador que parecia relutar em encerrar sua carreira, deveria fazer par com o Rubinho na F1 deste ano, mas sem o vice. O sérvio não acreditou na racionalidade e jogou empurrado pela paixão dos milhares que gritavam seu nome.


O comandande Andrade é um antípoda em vários aspectos e um representante da emoção em muitos outros. Primeiro técnico negro a ganhar um título em um país majoritariamente mestiço e que tem como negros como grandes estrelas do futebol. Ele agüentou anos como funcionário do clube, sendo aproveitado em emergências e suportando descartes por outros muito menos próximos do Flamengo. O jeito calmo de quem já teve que esperar muito e as lágrimas em sua estréia contra o Santos no primeiro turno vão contra qualquer esteriótipo de técnico brasileiro, como o Papai Joel, o Renight Gaúcho, o teórico Luxemburgo e os mais ou menos grossos como Murici e Felipão.


Poderia dar vários outros exemplos, como o flamenguista Léo Moura, que explodiu em xingamentos à torcida; o incansável Torozinho; ou o recuperado Zé Roberto. Mas pra mim quem melhor representa este título não é nenhum deles.


O antípoda perfeito é o dono do gol do título. O único Ronaldo que existe pro Flamengo e o único de que a nação rubro-negra precisa: Angelim. Dentro de um futebol que transpira dinheiro por todos os poros, Angelim é um simples operário. Lutador emocionado, que nunca expressou a vontade de ir para a Europa, assinar contratos milionários ou mesmo de ser titular. Sempre foi o primeiro a assumir culpas – mesmo que nem sempre suas – e se colocar publicamente à disposição do clube. O gol do título foi aquele, sofrido, da emoção do Angelim calado, que só sonhou em jogar o futebol apaixonado que tem o Flamengo como ícone.


Por fim, o título é de uma nação por quem se demonstra muito mais paixão do que pelo Brasil. Milhões de pessoas que se sacrificaram para acompanhar o Flamengo e gritar que a festa começou no Maraca!

sábado, 14 de novembro de 2009

De Pernas pro Ar

A vontade de escrever nunca passou e a de ter um blog veio, foi-se e voltou várias vezes, como o “lá e de volta outra vez” do Bilbo. A conjuntura foi favorável à criação e eu não li isto no horóscopo da semana passada! O rascunho veio dessa vontade, fortalecida pelos debates do CEMARX em Campinas, pelos blogs legais dos amigos e pela necessidade... necessidade de falar num mundo que cala.

Fim de semana sozinho na frente do computador e a faísca do tédio começou essa fogueira aqui. Achar um nome – algo que pareceria difícil – foi um maravilhoso trabalho do acaso. Quando o blogspot pediu o nome, suspirei e olhei para o lado, pensando que isso ia ser um sacrifício. O caos desviou meu olhar pro “O Império Universal e seus Antípodas” do Marcos del Roio e, como Adão dando nome às coisas, estava feito!

Agora, uma semana depois, meu olhar está cada vez mais tomado pela particularidade do antípoda. Tanto o é que, ao sentar num sofá de livraria hoje de manhã, meus olhos foram parar no “De Pernas Pro Ar. A Escola do Mundo ao Avesso”, do Eduardo Galeano. Conhecido de todo mundo pelo famoso “As Veias Abertas da América Latina”, que o Obama ganhou do Chávez há um tempo, o periodista uruguaio faz seu trabalho como poucos. Ele integra o pequeno grupo de jornalistas que ainda se esforça em fazer falar a voz calada dos inversos.

Destaco duas espécies de epígrafes do texto, uma do próprio e outra apropriada:

“Há cento e trinta anos, depois de visitar o País das Maravilhas, Alice entrou num espelho para descobrir o mundo ao avesso. Se Alice renascesse em nossos dias, não precisaria atravessar nenhum espelho: bastaria que chegasse à janela.”
(Eduardo Galeano, “Se Alice Voltasse”).

Vão passando, senhoras e senhores!

Vão passando!
Entre na escola do mundo ao avesso!
Que se alce a lanterna mágica!
Imagem e som! A ilusão da vida!
Em prol do comum estamos oferecendo!
Para ilustração do público presente
e bom exemplo das gerações vindouras!
Venham ver o rio que cospe foto!
O Senhor Sol iluminando a noite!
A Senhora Lua em pleno dia!
As Senhoritas Estrelas expulsas do céu!
O bufão sentado no trono do rei!
O bafo de lúcifer toldando o universo!
Os mortos passeando com um espelho na mão!
Bruxos! Saltimbancos!
Dragões e vampiros!
A varinha mágica que transforma
um menino numa moeda!
O mundo perdido num jogo de dados!
Não confundir com grosseiras imitações!
Deus bendiga quem vir!
Deus perdoe que não!
Pessoas sensíveis e menores, abster-se.

(Baseado nos pregões da lanterna mágica, do século XVIII)

sábado, 7 de novembro de 2009

Antípoda

Antípoda (an.tí.po.da) adj (gr antípous, antípodos) Que é oposto; contrário. sm 1 Indivíduo que habita, no globo terrestre, lugar diametralmente oposto a outro. 2 Qualquer ponto da Terra em relação ao que lhe fica diametralmente oposto. 3 Lugar muito distante. 4 O contrário, o oposto. 5 Quím Composto que, em relação a outro estereoisomérico, tem uma configuração exatamente oposta dos seus átomos no espaço. sm pl Os habitantes de um ponto da Terra em relação aos do que lhe fica diametralmente oposto. Antípoda da virtude: os pecadores. Antípoda do tempo: os que trocam o dia pela noite. Antípodas raciais: indivíduos da raça amarela, em contraste com os da raça negra. (Dicionário Michaelis)

Antípoda, como deu pra perceber, é uma palavra grega. Não chego nem perto de saber algo de Filosofia, mas sei que Aristóteles e alguns filósofos gregos acreditavam na doutrina do meio-termo. Não é difícil adivinhar o que é isso, né? Valoriza-se o equilíbrio e a medida, pois assim é a natureza do universo. Portanto, é perfeitamente compreensível pensar que se existem seres neste mundo, devem existir outros fora para equilibrar a balança. Daí surgem os antípodas, os contrários, seres que estavam ligados a suas contrapartes pela sola dos pés, vivendo ao contrário.

A idéia do equilíbrio e dos antípodas continuou bastante importante na história humana. Foi utilizada principalmente para criação e discriminação do outro, que podia ser qualquer um, dependendo dos grupos dominantes e seus interesses. Desta forma, todo mundo que não se enquadrava no tipo de mundo pensado por esses grupos era um antípoda.

O ímpeto pra escrever esse caderno veio da afirmação, muito repetida no senso comum, de que hoje mundo está de cabeça para baixo! Eu até concordo com isso, mas vejo por uma perspectiva invertida. O mundo é que está de cabeça pra cima e há alguns antípodas insatisfeitos que querem bagunçar e rearrumar a casa.


Não tenho a pretensão de usar esse caderno como lista para organizar a arrumação, mas sim expressar a visão de uma pessoa que se sente de cabeça para baixo no mundo e que não se identifica com a idéia da maioria dos indivíduos do planeta.


Benvindos à casa contrária de um antípoda!